domingo, 3 de julho de 2016

PHYLLOMEDUSA: Meu primeiro encontro com a medicina do kambo

Sempre tive a impressão de que, para ser um indigenista de verdade, era preciso experimentar tudo o que a cultura indígena oferecesse. Claro que, ao longo dos anos, descobri que esta premissa não necessariamente estava correta.
Assim, entre estes experimentos culturais passei por várias situações inusitadas, que muito me ajudaram a imergir cada vez mais neste mundo indígena.
Abaixo segue a transcrição do meu diário de campo, de 2004, quando tive meu primeiro encontro com as propriedades curativas da famosa “vacina do sapo”, o kambô.

Motivado pela curiosidade em saber qual a sensação proporcionada por este veneno natural que está causando tantas discussões e luta por direitos entre indígenas e não indígenas resolvi experimentar as propriedades de tão exótico produto da natureza. Assim, num domingo eu e Chere nos dirigimos para próximo do posto de saneamento da aldeia (uma espécie de banheiro) na comunidade. Havia bebido dois copos grandes de água co açúcar, pois, segundo Chere me instrui, isso serviria para “ajudar a diluir todas as coisas ruins que tiver no corpo ou dentro dele”.
continuadamente de maneira que eu sentia estes reverberarem diretamente em meu crânio. Era como se meu coração houvesse se transportado para a minha cabeça ou alguém estivesse tocando um bumbo gigantesco com minha cabeça dentro.


Em seguida, munido com um pequeno pedaço de bambu, Chere fez três pequenas queimaduras circulares em meu braço esquerdo.
Enquanto aguardava a pequena queimadura criar uma bolha, ele me dava as orientações espirituais e de comportamento necessárias para que me concentrasse junto com o veneno, deixando claro que eu deveria manter a calma e que ele estaria ali para ajudar no que precisasse.

Olhei para ele e reparei sua expressão e me senti meio que desconcertado por estar sendo instruído em coisas básicas como se eu fosse uma criança.
- Calma txai, se preocupa não, eu aguento! – Falei, mostrando uma confiança que era só de fachada.

Formada a pequena bolha na pele, rapidamente, Chere, usando a unha, arrancou-a e, de uma pequena lâmina de madeira onde havia um liquido meio que cristalizado, retirou uma pequenas gominha que misturou com sua saliva, fazendo três pequenas bolinhas que colocou sobre cada circulo da queimadura em meu braço. Eu estava sentado.

Menos de cinco segundos depois meus batimentos cardíacos começaram a acelerar
A pequena queimadura em meu braço começou a latejar como se houvessem inúmeras agulhas perfurando o local, a coisa parecia estar tomando vida própria.
Tentei olhar pra frente e após alguns instantes senti uma forte vertigem que quase me levou a vomitar, o que, na verdade tentei sem sucesso. Nisso eu já estava literalmente de quatro no capim, “enguiando” e sentindo fortes contrações dentro do estômago.
Minhas pupilas dilataram-se e passei a notar que a luminosidade ao meu redor tornou-se muito forte a ponto de sentir-me totalmente ofuscado pela luz do sol.
Senti um forte calor, como se eu estivesse queimando por dentro, isso me fez começar a suar bastante e notei que parecia que eu estava derretendo pois fiquei totalmente molhado de suor.
Um tremor tomou conta do meu corpo e nesta hora não esperei para ver o que viria em seguida, pois, num esforço enorme pedi ajuda ao Chere que intervisse e este prontamente lavou o meu braço, retirando as gominhas de veneno. O mal estar quase que automaticamente cessou, desaparecendo totalmente em poucos segundos.

Perguntei quanto tempo tinha demorado a “sessão”, pois imaginei que minha agonia havia durado uns trinta minutos. Para meu espanto o Chere me disse que não tinha chegado nem cinco minutos e rindo finalizou: achei que você não durava nem um minuto.

Seguindo a orientação previamente recebida antes da “vacina” fui tomar banho, descartando ao final a roupa que estava usando antes, pois pelo que havia sido orientado, muita coisa tinha saído de mim através do suor e do pouco que vomitei. Assim, minha roupa tinha ficado impregnada por esta “coisa” ruim que estava dentro de mim e do meu espírito. Então, o melhor seria eu me livrar disso, lavando meu corpo e me desfazendo destas roupas.
Após a devida limpeza, fui deitar na minha rede onde fiquei por um bom tempo, pois tinha ficado muito cansado e sonolento.

Acordei pouco tempo depois com uma energia muito forte, como se estivesse circulando eletricidade em minhas veias. Fiquei tão empolgado que resolvi ir caminhar ao final da tarde na BR 364, que estava sendo asfaltada por um grande números de máquinas. Sentia-me ótimo, mas prometi para mim mesmo que não procuraria repetir a dose desta vacina.

Jairo Lima

Um comentário:

  1. Muito interessante o relato dessa sua experiência ,tenho certeza que não tenho coragem de experimentar essa medicina do Kambo.

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