sexta-feira, 24 de março de 2017

DEFENSORIA PÚBLICA: o que é e pra que serve

Quadro de Joceane Biscegli
Por: Cláudia Aguirre

Creio que é importante falar no que consiste a Defensoria Pública como instituição. Tal como os direitos dos povos indígenas, a Defensoria Pública tem sua existência prevista na nossa Constituição Federal, mais especificamente em seu artigo 134[01]. Quando este artigo diz que a Defensoria Pública é instituição permanente, isto significa que a sua criação pelos Estados e pela União é obrigatória e, uma vez instituída, não pode ser extinta de modo algum. Por sua vez, ser essencial à função jurisdicional do Estado significa que, para o sistema de justiça funcionar a contento, não basta termos o juiz, o advogado, o promotor de justiça; tem que ter Defensoria Pública.


E por que se impõe a criação da Defensoria Pública? Porque, diante das patentes desigualdades socioeconômicas, culturais, de gênero, raça, etnia, e tantas outras, é necessário que exista uma instituição permanente e autônoma que tenha por atribuição prestar assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados e grupos socialmente vulneráveis (falarei mais detidamente sobre estes dois termos lá na frente).
Pois bem. É importante ressaltar que a criação da Defensoria Pública, em seu atual modelo constitucional, não veio de mão beijada, não. Como muitos direitos hoje consagrados na nossa Constituição Federal, o surgimento da Defensoria Pública foi fruto de muita, mas muita luta mesmo, dos mais variados movimentos sociais no sentido de reivindicar uma instituição que pudesse promover, de modo sistemático e independente, o atendimento aos vulneráveis. Em suma, a ideia principal que embasa a criação da Defensoria Pública é a de democratizar o acesso à Justiça em seu sentido mais amplo.
Então, volto ao termo necessitado. Inicialmente, o surgimento dessa função estatal de assistência jurídica gratuita teve por destinatário principal os economicamente desfavorecidos, ou seja, aqueles que não têm a possibilidade de pagar as custas processuais e os honorários de advogado[02]. Além disso, esta atuação tinha, a princípio, um caráter individual - e, porque não dizer, assistencialista. Com o surgimento da Defensoria Pública e sua garantia na Constituição Federal de 1988, podemos dizer que esta atribuição ainda se mantém: de fato, a função por excelência da Defensoria Pública é o atendimento aos hipossuficientes econômicos, segundo critérios estabelecidos por normas internas da Defensoria Pública da União e de cada Defensoria Pública Estadual, conforme as realidades diversas de cada estado.
Todavia, conforme as defensorias públicas brasileiras foram se desenvolvendo e inovando em suas práticas, surgiu um entendimento mais ampliado a respeito de suas funções, especialmente considerando uma visão mais democrática da Justiça. Grosso modo, percebeu-se que o acesso à Justiça não poderia se resumir a um atendimento individual e assistencialista dos necessitados financeiramente, tampouco poderia ser reduzido ao âmbito judicial. Era necessário considerar, assim, toda uma gama variada de opressões que transcendem a questão meramente econômica, bem como em investir numa atuação mais coletiva e empoderadora dos destinatários dessa política.
Desenho de Edilene Sales Huni Kuin

Este novo entendimento que, na prática, começou a reconfigurar a atuação das defensorias públicas, foi consagrado na Lei Complementar Federal nº 132/2009, que modificou dispositivos da Lei Complementar nº 80/94. Esta lei regulamenta o art. 134 da Constituição Federal, prescrevendo normas gerais para a organização e funcionamento de todas as defensorias públicas do Brasil.

Para o que interessa a esta conversa aqui, gostaria de destacar o seu art. 4º, que estabelece as funções institucionais da Defensoria Pública, ou seja, traz em minúcias o “pra quem” e “pra quê” a Defensoria Pública serve. Este artigo foi bastante modificado pela lei de 2009. Vou falar de alguns de seus aspectos mais adiante.
Por ora, a ideia que eu quis trazer é a seguinte: a Defensoria Pública, dentro da função jurisdicional do Estado, é uma instituição que também evoluiu
e continua evoluindo. Arrisco a dizer que, dentre as demais pertencentes ao âmbito jurídico, é a instituição que mais é permeável a mudanças, e isto é um ponto positivo a ser aproveitado pelas/os indígenas.

Voltando ao assunto: algumas possibilidades e ajustes para uma atuação da Defensoria Pública Estadual destinada às/aos indígenas.

Volto ao artigo 4º da Lei Complementar Federal nº 80/94, com redação dada pela Lei Complementar Federal nº 132/2009, pra destacar alguns pontos que considero estratégicos para as/os indígenas.
Começo pelo seu inciso XI, que determina como uma das atribuições da Defensoria Pública o exercício da defesa dos grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado. Opa! Lembra que eu falei que a Defensoria Pública tem como principal função o atendimento dos economicamente hipossuficientes, mas não só? Pois bem. As/os indígenas podem se aproveitar do termo grupos sociais vulneráveis no sentido de reivindicar que a Defensoria Pública leve em consideração que as problemáticas trazidas por elas/es envolvem não só um aspecto financeiro, mas, acima de tudo, étnico. Se não for assim, será mais uma prática institucional que, de novo, recairá na invisibilidade da cidadania indígena.
Aproveito este gancho para citar o inciso IV, que trata da obrigação da Defensoria Pública de prestar atendimento interdisciplinar, por meio de órgãos ou de servidores de suas carreiras de apoio para o exercício de suas atribuições. É imprescindível a criação de parcerias com órgãos públicos e organizações que trabalham com a questão indígena a fim de que as/os defensoras/es públicas/os tenham apoio técnico e teórico para enxergarem e atenderem os indígenas enquanto tais. E por que não pensar na futura  existência, entre psicólogos e assistentes sociais do quadro de apoio da Defensoria Pública, de antropólogas/os, por exemplo?  


Cláudia de Freitas Aguirre, natural do Rio de Janeiro, paulistana por décadas porque a vida assim quis, acreana agora por vontade própria. Formada em direito pela USP em 2006. Defensora Pública Estadual em Cruzeiro do Sul/Acre desde 2014.

Notas:
[01] Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.
[02] Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: I – prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos os graus; (...)  


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