quarta-feira, 1 de março de 2017

QUATRO POEMAS AO ÍNDIOS

Por: João Veras


TESTEMUNHO ACREANO

Eu hoje vi uma mulher indígena pedindo esmola.
Ela estava sentada no chão da calçada suja com uma criança ao colo
que procurava se alimentar em seu peito.

Era no centro da cidade, próxima à escola infantil Menino Jesus.
Ali todos passam, olham para baixo e passam.
O que eu vi hoje, vi ontem...

Hoje eu vi vários indígenas pintados em alerta e em movimento.
Eles estavam para a guerra na defesa da sobrevivência.
Eles reclamam dos péssimos serviços de saúde prestados pela burocracia do Estado.
Serviços esses que não conseguem impedir que várias crianças indígenas morram de diarreia nas aldeias.
o que vi hoje, vi ontem...


Hoje eu vi alguns indígenas com as suas penas fabulosas e vestes idem.
Esses participavam de um evento público promovido pelas autoridades governamentais.
Eles estavam para a festa.
Eles compunham o quadro da participação do índio em um governo democrático.
o que vi hoje, vi ontem...
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OS ISOLADOS DO ACRE

Todos acham bela a foto
de homens apavorados.


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O PESAR INDÍGENA, A PELÍCULA

Eu assisti um tirar o jeans e se pintar.
Então se reenfeitou manso, se reexotizou bravo
e shopinizou a aldeia com créditos de liquidação transcendental.

Em fila bem educada, consumidores brancos se divertiam.
Numa mão um ingresso comestível à prova de imitação e na outra
o menu dos produtos de carbono sustentáveis e suas miçangas coloridas.

Chuveiro quente, hospitalidade da melhor e miração a três dólares a hora e meia.
De amostra grátis, uma selfie com um bebê mamando, quatro meninas de seios nus sorrindo, uns trinta guerreiros jovens mais dois pajés anciãos sentados a fumar.

O diretor filmava tudo em plano sequência.
Alucinado gritava: very beautiful, txai!
A cena enquadrava os visitantes modernos com as suas cartas baixadas na rede.

Ao fundo, vitrines, umas mil.
Tudo parecia remeter à plantação no sul do velho mundo de 1500.
Tudo parecia hoje em invisível, como é.

Daí, vi a fumaça da paz queimando em câmera lenta a floresta.
Não ficou um.

E quando acordou,
esse um vestia paletó cinza com gravata vermelha,
trazia um punhado de votos no bolso da direita e uma ideia fixa na cabeça:
sonhava esplêndido tal qual um candidato à descoberta do Brasil.

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LIÇÃO DE CASA

“Hoje é o dia do índio no Brasil”

Que hoje
                                    Que dia
                                                                  Que índio
                                                                                                 Que Brasil

                                                                                                                        Que



João Veras é advogado, escritor, poeta, músico e participa ativamente do ambiente artístico e social acreano. Recentemente defendeu sua tese de doutorado em Ciências Humanas, pela Universidade Federal de Santa Catarina, sob o título "SERINGALIDADE: A Colonialidade no Acre e os Condenados da Floresta".
Os poemas aqui publicados foram gentilmente cedidos pelo mesmo. Quem quiser conhecer mais seus poemas indico que acesso à sua página no Facebook: https://www.facebook.com/joaoveraspoemas/


Imagens:
1. Indígena Jaminawa pedindo esmola no centro da cidade de Rio Branco - Fonte: G1 Acre
2. Índios isolados. Fonte: Gleilson Miranda, SECOM-Acre
3. Foto: Tashka Yawanawá
4. Foto: Sérgio Carvalho

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